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Porto Velho,15/01/2025

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CLÁUDIO LOPES NEGREIROS

O Rei Está Nu: Reflexões Sobre a Educação


O Rei Está Nu: Reflexões Sobre a Educação

Você, que agora inicia a leitura deste texto, saiba que ele inaugura um novo canal de comunicação do Conselho Municipal de Educação. Trata-se de uma coluna semanal, a ser construída por conselheiros, técnicos ou demais profissionais envolvidos na Educação. A proposta é apresentar textos sem a exigência de formalidade acadêmica ou erudição literária, bastando que sejam relacionados à Educação, mesmo que de forma transversal, o que limitará sua abrangência de acordo com a habilidade do autor. Não precisam trazer solução para problema algum – mas, caso surjam, ficaremos gratos –, tampouco nos interessaremos por expedientes amargos, desiludidos ou que tragam mensagens que em nada colaborem com a proposta do CME-PVH ou da Rede. Exige-se apenas que sejam reflexivos e/ou provocadores; se forem divertidos, já contarão com nossa nota 10.

Coube a mim, na condição de presidente do órgão, inaugurar a coluna, o que faço agora com certa modéstia, mas focado, ao menos, na última exigência do parágrafo anterior: caso não alcance a condição reflexiva e/ou provocadora, que seja divertido.

Com a leveza do descompromisso com a erudição ou a formalidade, início apropriando-me do jargão da Secretária de Educação, professora Gláucia Negreiros: “Deixa eu te falar uma coisa...”. Você já assistiu ao Chaves, não é? “Isso, isso, isso!”, aquele programa infantil que marcou a geração que hoje está na casa dos 40 anos. Pois bem, foi assistindo a um episódio do Chaves que ouvi pela primeira vez a história “A Roupa Nova do Rei”. Trata-se de um conto de fadas de autoria de Hans Christian Andersen, do século XIX, inspirado em El Conde Lucanor, do século XIV.

A história versa sobre um rei vaidoso e de astúcia questionável, que foi ludibriado por vigaristas. Estes, conhecendo sua vaidade e ingenuidade, ofereceram-lhe serviços de alfaiataria para confeccionar uma roupa jamais vista, cujo tecido só poderia ser percebido por pessoas inteligentes. Após lucrarem o quanto desejavam de Sua Majestade, entregaram-lhe a tal roupa, advertindo que o tecido só seria visível a pessoas de intelecto superior. Não é surpresa que se tratava de um golpe.

O rei, para não denunciar sua falta de inteligência, afirmou que não só via a roupa, como também a achava a mais linda que já tinha visto. Logo tratou de vesti-la e exibi-la aos súditos, que, igualmente advertidos sobre a mágica do tecido, concordaram em coro que a roupa realmente era linda. Em meio à multidão, uma criança, com a virtude da inocência, asseverou de pronto: “O rei está pelado!”.

Nesta semana, o Sr. Dartagnan da Silva Zanela publicou no Tribuna.com um artigo intitulado “A Melhor Educação da Via Láctea”, cujo título, como se observa, é uma provocativa ironia. No texto, ele denuncia os inúmeros autoelogios que redes de ensino fazem às suas gestões, inclusive, segundo o autor, criando mecanismos de avaliação internos para apresentar dados favoráveis e garantir publicidade. Ainda esta semana, as redes sociais viralizaram um vídeo em que uma mulher “denuncia” o que, segundo ela, seria falta de empatia: o fato de uma passageira de avião recusar-se a ceder seu lugar na janela para uma criança birrenta.

Agora, deixa eu linkar essas três situações, da última para a primeira, de modo que, se não conseguir um convencimento interpretativo, ao menos provoque uma reflexão. Hoje vivemos a política do cancelamento nas redes sociais. De forma intempestiva, as pessoas promovem verdadeiros linchamentos virtuais de figuras expostas na mídia. Certamente, isso aconteceria com a mulher do vídeo do avião, não fosse a sorte de ter, a seu favor, outras pessoas que se manifestaram concordando com sua postura e criticando o comportamento de pais que não educam seus filhos e cedem a caprichos de crianças mimadas.

Aliás, o comportamento empático e a educação positiva têm sido tratados de forma enviesada, levando certos pais e profissionais da área educacional a uma confusão pedagógica que promove um comportamento apático, em vez de empático, e uma educação permissiva, em vez de positiva. No segundo caso, o autor Dartagnan nos adverte que nem tudo que é alardeado pela mídia é verdade. Aliás, o que se tem visto é a publicização ideológica da informação ou, quando não, a construção de “verdades” ficcionais, criadas com o intuito de autoafirmação e para ludibriar o senso comum. Pois bem, nesses dois casos temos exemplos de como, diariamente, somos conduzidos a fazer julgamentos rápidos, incisivos, vociferantes e, via de regra, equivocados.

Isso nos leva ao primeiro caso: o rei está nu! O conto de Andersen – me permitam usar o ditado popular “é mais velho que o rascunho da Bíblia” – é, no entanto, mais atual do que nunca. Nos julgando intelectualmente evoluídos, pessoas “antenadas” e – para usar um termo contemporâneo – hypadas, permitimos ser influenciados pelo disseminado nas redes sociais e, pior, reproduzimos esse conteúdo de forma mimética. Para corroborar com o que afirmo, vejamos a produção de textos acadêmicos e da legislação educacional recente. Acumulam-se produções que tratam de equidade, diversidade e inclusão. Contudo, tais manifestações frequentemente visam apenas passar a ideia de que seus autores são altruístas, evoluídos e preocupados com a evolução da humanidade – um engodo puro.

Notadamente, essas questões devem ser trabalhadas. No entanto, a produção acadêmica muitas vezes negligencia os macroproblemas da Educação. Já alcançamos a universalização do ensino? Melhoramos nossos índices de aproveitamento em língua portuguesa e matemática? Estão os profissionais da Educação plenamente atendidos em seus anseios estruturais? Entenda, caro leitor – para que depois não apareçam aqueles que distorcem minhas palavras – que não se trata de relativizar outras necessidades educacionais. As questões que elenquei devem, sim, ser atendidas em sua plenitude. Mas o foco unilateral nelas coloca em segundo plano demandas que há décadas aguardam solução. Concluo por aqui esta estreia neste canal que, doravante, está à sua disposição tanto para críticas quanto para submissões. E encerro provocando: romantizar anseios educacionais e aproximar-se de conceitos recém-criados pelas ciências sociais é ignorar que o rei está nu!

POR CLÁUDIO LOPES NEGREIROS

PRESIDENTE DO CME-PV



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